Misoginia disseminada pelas redes sociais
- Ana Laura Padredi Bortoloto
- 10 de abr.
- 5 min de leitura
Atualizado: 8 de mai.
Como bullying pode se tornar um motivo para o isolamento de jovens, fazendo com que encontrem pertencimento em ambientes digitais que suprem suas inseguranças
Por Ana Laura Padredi, Sessão das 4 — Bauru, São Paulo
A série “Adolescência”, lançada pela Netflix dia 13 de março, fomentou muitas temáticas que englobam essa etapa da vida dos jovens. Entre elas, a mais preocupante é a misoginia propagada por meninos dentro e fora das redes sociais, sendo retratada na série como uma consequência do bullying. O podcast “Vibes em Análise”, desenvolvido pelos psicanalistas André Alves e Lucas Liedke, traz o episódio “Mal-estar da adolescência” que trata das questões abordadas na série. Fica a indicação para se aprofundar ainda mais nesse tema.
O ambiente escolar sempre foi propício para a proliferação de comportamentos preconceituosos e discriminatórios: o denominado bullying, que impacta diretamente a saúde mental dos jovens. Recentemente, a prática foi criminalizada. A discriminação na escola pode incluir racismo, sexismo, homofobia e diversas outras formas de percepção emocional em raça, gênero, orientação sexual e outras características.
Uma vez que as redes sociais entraram em cena, esses ataques pioraram, qualitativa e quantitativamente, por se tratar de um ambiente anônimo. Em 2024, no Brasil, mais de 80% das crianças e adolescentes têm um perfil em plataformas como WhatsApp, Instagram, TikTok e YouTube, revelou a pesquisa TIC Kids Online Brasil.
O afastamento social, causado também pelas redes sociais, e por atitudes preconceituosas, faz com que a exclusão gere uma aproximação daqueles que sofrem das mesmas condições, criando-se assim uma comunidade de meninos com ódio e ressentimento.
A adolescência é um período de mudança, necessidade de pertencimento e reconhecimento. O psicólogo e psicanalista Raphael Mello explica como as redes sociais podem estar relacionadas a essas necessidades da adolescência.“Nesse movimento, muitas vezes, frágil, ansioso e sem muitos contornos, há um nicho de ódio muito lucrativo na internet e pronto para receber adolescentes perdidos, rejeitados, baixa autoestima que são iscas perfeitas para homens radicais. São, então, os adolescentes que passam a se identificar como red pills e/ou incels - e ao fazer parte desses grupos, sentem-se inseridos e validados - e isso traz um conforto a esses garotos pois a partir de fragilidade, os discursos misóginos enaltecem os homens e sua “virilidade” frágil , o que os dá poder e controle.”, comenta o psicanalista.
Os termos “redpill” e “incel”, citados pelo Raphael foram criados no ambiente digital, perpetuando e disseminando uma cultura misógina, em que meninos atacam verbalmente e fisicamente meninas do seu convívio.
Fazendo uma referência ao filme “Matrix” onde existe a “bluepill”, as pílulas azuis que manteriam as pessoas na ignorância, e a “redpill”, as pílulas vermelhas que revelariam a verdade escondida. Para os homens que acreditam nessa ideologia misógina, os “redpill” são considerados aqueles que são contra o “sistema que favorece as mulheres”, sendo essa a verdade escondida que todos se negam enxergar. Já a terminologia “incel” vem de “celibatário involuntário”, descrevendo meninos que se sentem incapazes de ter um relacionamento amoroso, mesmo querendo.

Os jovens acabam se identificando e tendo um sentimento de pertencimento dentro dessas comunidades, que em sua maioria são criadas por homens adultos. Além do cenário que é apresentado dentro da série, existem outras consequências que esses pensamentos podem gerar nos adolescentes.
O psicanalista Raphael explica que “masculinidade tóxica e repressão emocional; ressentimento; bullying e exclusão social; crise de autoridade e polarização ideológica são alguns dos cenários que a misoginia e o isolamento social podem acarretar. Os adolescentes passam a se enxergar como fontes de força, virilidade e brutalidade. O que resulta também em comportamentos violentos e dificuldade de criar vínculos saudáveis, contemplando as diferenças. Tudo passa a ser uma ameaça inconsciente”, finaliza.
Quem é Andrew Tate, influenciador citado na série?

Andrew é um influenciador e ex-lutador de kickboxing de 38 anos, que ficou conhecido por participar do reality britânico Big Brother em 2016. Ele foi expulso por conta de um vídeo em que supostamente agredia uma mulher. Na época, Tate negou as acusações, alegando que a gravação tinha sido editada.
Ele se tornou famoso nas redes sociais por conta de falas e atitudes extremamente misóginas e sexistas. Em uma entrevista a um youtuber chegou a dizer: “Sou absolutamente um misógino”. Seus seguidores o consideram um coach da masculinidade. Um deles é o empresário Pablo Marçal, que tem o britânico como inspiração. Ambos se tornaram famosos pelas falas polêmicas que viralizam nas redes sociais.
Em dezembro de 2022, Tate e seu irmão foram envolvidos em uma investigação sobre acusações de tráfico humano e estupro na Romenia. Em julho de 2024, eles foram liberados para sair do país, com tanto que permanecessem dentro da União Europeia. Além dessa investigação, os irmãos foram acusados várias vezes por agressão e estupro no Reino Unido.
“Um multimilionário autodidata”, é assim que Andrew se define. Quando questionado de onde vinha seu dinheiro, ele afirmou que atraía mulheres para a “indústria do entretenimento adulto”. Ele escreveu em seu site, atualmente excluído, porém esse trecho foi disponibilizado na matéria da BBC. "Meu trabalho era conhecer uma garota, sair em alguns encontros, dormir com ela, testar se ela era de qualidade, fazer com que se apaixonasse por mim e fizesse tudo o que eu dissesse, e depois colocá-la na webcam para ficarmos ricos juntos", afirmou.
Existe uma solução?
As redes sociais não vão deixar de estar presente na vida desses jovens, pelo contrário, só aumentaram. Por isso é preciso que os pais prestem atenção nos hábitos, comentários e ideias que seus filhos podem estar construindo influenciados por comunidades nas plataformas digitais.
As medidas devem ser realizadas de forma multidisciplinar, no ambiente familiar e no escolar, assim como o psicanalista Raphael Mello explica.”É necessário inicialmente a autoridade dos pais como forma de contorno para o desenvolvimento da criança/adolescente e também conhecimento do conteúdo absorvido na internet. A escola também tem um papel fundamental nesses contornos”, afirma.
Para combater esse novo cenário dos jovens é preciso que os pais tenham conhecimento do que seus filhos estão consumindo, e compreender que perigos presentes nas ruas, também podem estar dentro do quarto deles, em seus computadores e seus celulares.
O enfrentamento dessas ideologias precisam estar presentes por meio de um diálogo aberto com os pais.
A psicóloga Sandra Maria Lopes Linquevis traz essa ideia do diálogo como uma medida fundamental. “É importante que exista uma conversa aberta entre pais e filhos sobre todos os assuntos. Desde a infância, para que se crie um canal de confiança e respeito mútuos. Em relação às questões de Internet especificamente, já existem estudos, estatísticas, muito material para ser discutido em família. A própria série Adolescência é interessante de ser assistida por pais e filhos. Sempre com conversas posteriores.”, afirma.
A recente lei que restringe o uso de celulares na escola está sendo implementada para que os alunos se concentrem nas atividades e para que possam interagir entre si presencialmente. Mas essa medida pode ser uma aliada, junto com medidas tomadas dentro de casa, para que não haja o acesso excessivo aos aparelhos.
A psicóloga Sandra comenta que essa medida irá fortalecer a socialização dos jovens na escola. “Ter um espaço de convívio e aprendizado para crianças e adolescentes é essencial para seu desenvolvimento. A socialização entre pares que acontece na escola é fundamental, especialmente para os adolescentes, que precisam desse convívio para formarem sua identidade, se reconhecerem. E as telas diminuem o tempo dessa socialização entre eles.”, finaliza.
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