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Brasil, o Viralatismo e o Pertencimento Latino

  • Foto do escritor: Mariana d'Abril
    Mariana d'Abril
  • 19 de mar.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 8 de mai.

Mesmo sendo o maior país da América Latina, parte do Brasil ainda resiste em aceitar sua identidade


Por Mariana d'Abril, Sessão das 4 — Bauru, São Paulo


“Complexo de vira-lata”, expressão criada pelo jornalista recifense Nelson Rodrigues em 1958, permanece não apenas no vocabulário, mas também no coração dos brasileiros.


Segundo dados do Worldometer, a população da América Latina ultrapassa seiscentos e sessenta e seis milhões e seiscentos mil habitantes, e mesmo que o Brasil seja 30% disso, muitos negam sua latinidade.


Ao ser questionada do porquê isso ocorre, a cientista social, Jessica Rossi, afirmou que muitos brasileiros possuem um sentimento de inferioridade em relação a outras nações, especialmente as mais ricas como os Estados Unidos e os países europeus. Por isso, muitos preferem se aproximar de culturas vistas como mais poderosas ou avançadas, o que acaba nos afastando da nossa própria identidade. “Isso pode fazer com que muita gente no Brasil evite se identificar como latino, associando essa identidade a coisas negativas, como 'subdesenvolvimento' ou problemas sociais.”


A criadora de conteúdo licenciada em história, Tawany Rocha, explica que essa distância tem raízes coloniais e que as formas de exploração afetaram isso diretamente:


Audio cover
Tawany Rocha - Historiadora e Influencer

As diferenças culturais que afastaram o Brasil dos demais países latinos estão sendo alcançadas pelas semelhanças. No dia 5 de janeiro deste ano, o cantor porto-riquenho Benito Martinez, mais conhecido como Bad Bunny, lançou o álbum que se tornou um grande viral entre a comunidade latina. Em ‘DeBÍ TiRAR MáS FOToS’, o artista relata o medo e a importância de não deixar que a cultura de Porto Rico seja apagada pelos Estados Unidos. Apesar das músicas terem sido criadas para relatar a vivência porto-riquenha, a América Latina inteira se identificou com parte dessa dor.


A professora de espanhol Tuanne Mercedes, que fala bastante sobre latinidade em suas redes sociais, contou como ‘DeBÍ TiRAR MáS FOToS’ uniu os latinos em um momento tão difícil como a deportação em massa promovida por Donald Trump:

As músicas "LA MuDANZA", "BAILE INoLVIDABLE" e "LO QUE LE PASÓ A HAWAii" podem ser encontradas em todas as plataformas digitais.

Questionada se parte da não identificação latina seria causada pela influência dos Estados Unidos, que, por lei, não nos reconhecem como latino-americanos, a cientista social afirma que, quando um país com tanta influência global como os Estados Unidos nos coloca de fora desse grupo, isso contribui, sim, para que continuemos nos vendo como ‘diferentes’ dos demais países da América Latina. Isso pode criar um certo isolamento, como se não fizéssemos parte dessa identidade coletiva latino-americana.


“O fortalecimento da extrema-direita no Brasil muitas vezes se apoia em um discurso nacionalista, que exalta a ideia de que somos um país especial, diferente, e que devemos nos alinhar mais com países como os da Europa e os Estados Unidos. Esse discurso também rejeita, de certa forma, o que é visto como ‘latino’ ou ‘sul-americano’, reforçando essa sensação de que somos melhores ou mais próximos do mundo ocidental. Isso se conecta com a visão que os Estados Unidos têm de nós e com as ideias que a extrema-direita propaga sobre nacionalismo e superioridade”, reforça Jessica.


Em 2015, uma pesquisa do projeto The Americas and the World: Public Opinion and Foreign Policypenas, apontou que apenas 4% dos brasileiros se definiam como latino-americanos, contra uma média de 43% em outros seis países latinos (Argentina, Chile, Colômbia, Equador, México e Peru). Tawany explica que, apesar de ser um conceito "novo" para os brasileiros, sempre fomos vistos como latinos por nossos vizinhos. O simples fato de discutirmos isso já indica uma mudança de cenário.


“O que mais vem influenciando na minha visão é a cultura, a música. A globalização de músicas pop fora do Brasil, com brasileiras, sobretudo aprendendo espanhol para lançar as suas músicas fora daqui e querer saber mais sobre a cultura dos nossos vizinhos, assim como vemos atrizes e atores colocando o Brasil no balaio latino.”


Apesar do costume de produzir conteúdos falando sobre a latinidade brasileira, a professora de espanhol contou que ficou surpresa com os mais de 7 milhões de visualizações em seu vídeo que associa uma música da cantora Shakira citando brasileiras como latinas e a reação contrária de internautas.

Após toda a repercussão, Tuanne preferiu arquivar o vídeo.

A historiadora enfatiza a importância da representatividade para que as pessoas se orgulhem mais de serem latinas. "Nos filmes e séries nós só víamos os latinos em gangues fazendo coisas ruins e não é isso.” Tawany ainda reforça que “ver o bonito de ser o latino” é essencial para a mudança que vem sendo construída pela cultura.


Depois de mais de 25 anos, o Brasil não só voltou para o tapete vermelho do Oscar, como ganhou a sua primeira estatueta ao vencer a categoria de ‘Melhor Filme Internacional’. Representando a América Latina, o longa ‘Ainda Estou Aqui’, assim como ‘DeBÍ TiRAR MáS FOToS’, tornou-se um grande símbolo de união latino-americana.


Por muito tempo o Brasil rejeitou a própria latinidade, mas agora com o aumento da visibilidade da cultura latina no ocidente, tem-se a chance de mudar esse cenário. No Brasil, Fernanda Torres, assim como a cantora Anitta, desempenham grande papel nessa mudança ao utilizarem suas vozes para enaltecer nossa cultura.


Nos entendermos como um povo, é essencial para fortalecer nossa identidade cultural e política, consolidando, enfim, nosso sentimento de pertencimento. Afinal, somos latinos. Sempre fomos. E agora, mais do que nunca, estamos redescobrindo e valorizando essa identidade, no caminho de nos livrar do nosso complexo de vira-lata.



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