Fé e futebol: quando a paixão pelo esporte entra na Igreja
- Giovana Bravin da Rosa
- 21 de mai.
- 5 min de leitura
Atualizado: 23 de mai.
A eleição do Papa Leão XIV, fã do Alianza Lima, evidencia: desde igrejas do interior paulista, até colégios de Roma, padres unem o futebol à fé
Por Giovana Bravin, Sessão das 4 — Bauru, São Paulo
A eleição do Papa Leão XIV, em abril de 2025, atraiu os olhares do mundo inteiro. No Peru, a escolha por Prevost motivou reportagens com temas diversos, sempre destacando a relação do santo padre com o país sul-americano, onde é cidadão honorário.
Um dos destaques na imprensa peruana, uma nação apaixonada por futebol, foi o time de coração do novo papa. De acordo com jornalistas esportivos, o santo pároco é torcedor do Alianza Lima.
Mas o Papa Leão não foi o primeiro apaixonado por futebol a ocupar a posição mais importante da Igreja Católica. O Papa Francisco era torcedor fanático do San Lorenzo. Antes de ser eleito papa, o argentino Jorge Mario Bergoglio era sócio da equipe de Almagro.
A paixão de presbíteros pelo esporte mais popular do planeta também não é novidade no Brasil, o tão conhecido “país do futebol”.
Em Bariri, no interior de São Paulo, a torcida fanática do padre Ériko Nogueira pelo Palmeiras é de conhecimento de toda a comunidade da Paróquia Nossa Senhora das Dores há alguns anos. A paixão surgiu ainda na infância, por influência da família, formada, em sua maioria, por torcedores do alviverde paulista.
Ériko está sempre ligado nos resultados dos jogos, mas revela um hábito curioso: muitas vezes evita assistir às partidas, porque julga que se sente muito inquieto e nervoso. Apesar disso, não esconde a torcida pelo Palmeiras durante as celebrações e homilias. “No Domingo de Ramos, por exemplo, eu sempre brinco com o pessoal, dizendo que Jesus entrou em Jerusalém sendo aclamado com ramos. Faço questão de destacar que os ramos eram de palmeiras. E eu brinco, né? Eventualmente eu brinco dizendo: olha lá, se não tinha gente ali abanando, acenando com a camisa do Palmeiras (risos)”, conta.
Mesmo sempre falando sobre o seu time, o padre Ériko ainda conseguiu surpreender toda a paróquia após o título do Campeonato Paulista conquistado pelo alviverde em 2022. Ele brincava com as pessoas que estavam na igreja e, ao erguer a tradicional batina, revelou uma camisa do Palmeiras.
Padre Ériko conta mais detalhes sobre o momento, que viralizou em Bariri e em outras cidades da região. Ouça:

A cerca de 114 km de distância da Paróquia Nossa Senhora das Dores de Bariri está a Paróquia Nossa Senhora Menina, de Botucatu. Lá, a paixão pelo futebol também faz parte das celebrações, mas destacando o maior rival do Palmeiras do padre Ériko: o Corinthians do padre Gustavo.
O padre Gustavo Viaro Correa costuma brincar sobre o assunto futebol em suas homilias, principalmente quando seu time do coração, o Corinthians, ganha de algum dos rivais do estado de São Paulo. Já nas atividades pastorais, o pároco utiliza exemplos de comportamentos comuns no futebol para provocar reflexão sobre situações da vida cotidiana da comunidade.
A torcida pelo Corinthians e o interesse pelo futebol remetem à infância, mesmo sem a influência dos pais. “Meus pais não ligam muito pro futebol, não ligavam na época também. Mas desde cedo eu gostava de assistir, meu avô ouvia sempre no rádio. Teve uma época, acho que eu estava na segunda série, que eu ganhei uma mesa de futebol de botão e assim foi começando a minha relação com futebol”, relata.
Apesar de não conseguir assistir a tantas partidas atualmente, graças à sua rotina corrida, padre Gustavo já vivenciou momentos inesquecíveis envolvendo o esporte, mesmo depois da batina. Quando viveu em Roma, na Itália, por três anos para estudar, viajou por diferentes países da Europa e visitou vários estádios. Ele também pôde assistir a partidas da Liga dos Campeões, o principal campeonato do continente europeu.
Para o padre Gustavo Correa, o futebol pode ser um grande aliado na evangelização. Ouça o seu relato:

Tanto para o padre Ériko Nogueira, quanto para o padre Gustavo Correa, grande parte da possibilidade de uma boa conexão entre esporte e religião passa pelas comunidades de jovens.
Padre Gustavo Correa conta que as experiências mais marcantes que viveu nesse sentido envolveram campeonatos organizados por grupos de jovens em Botucatu. “O futebol ajudava muito com a interação entre grupos de jovens diversos. No final sempre tinha uma festa, mas tudo motivado pelo esporte”.
Já padre Ériko destaca o trabalho da Congregação Salesiana, organização missionária religiosa que se dedica à educação e à evangelização de jovens. Ériko ressalta a maneira que a congregação organiza torneios competitivos de vários esportes, inclusive o futebol, como "uma forma de aproximar os jovens e falar de Deus".
O esporte entre padres
A estratégia utilizada pelos salesianos e mencionada pelo padre Ériko se tornou exemplo para outras congregações. Atualmente, diferentes organizações católicas realizam torneios esportivos entre seminaristas e padres.
Uma delas é o Colégio Pio Brasileiro, organização dedicada à formação permanente de presbíteros diocesanos em Roma. O padre Gustavo Alves Batista, sacerdote da Arquidiocese de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, é o atual coordenador do Departamento de Esportes do colégio.
Para ele, a prática esportiva é essencial na vida dos presbíteros. “Cada vez mais a gente tem essa consciência de que precisamos cuidar também do nosso corpo. Como pessoas, somos formados pelo corpo, pela alma e pelo espírito. Nós religiosos de modo particular temos esse cuidado com o espírito através da oração, através da espiritualidade, mas o espírito necessita de um corpo. Então acho que, porque temos essa consciência de que se queremos estar bem mentalmente, espiritualmente, é necessário sim ter uma prática esportiva, ao menos um ritmo cotidiano, saudável, para manter-se bem, até mesmo para a missão que fazemos, que é uma missão bastante exigente”, comenta.
Apesar da impossibilidade de transformar a prática esportiva em algo profissional, graças às obrigações que padres e seminaristas possuem, o Colégio Pio Brasileiro costuma promover partidas de futebol semanalmente entre os sacerdotes da própria instituição. Mas não para por aí: o Colégio se junta, frequentemente, com outros colégios vizinhos, mantidos por outros países, em campeonatos.
O padre Gustavo Alves Batista relata como funcionam esses campeonatos e as experiências que já vivenciou. Ouça:


Padre Gustavo Alves Batista:
"Creio que no mundo de tantos conflitos, o esporte é um meio de fraternidade e de comunhão, que é um dos aspectos da nossa fé. Somos chamados todos a sermos irmãos e respeitarmos, nesta convivência sadia, as crenças dos outros. Mas também para sermos uma presença, presença de fraternidade da nossa fé cristã, por isso acreditamos muito que o esporte é um desses meios. No Brasil, dentro das modalidades do esporte, em muitos clubes de futebol existe uma presença do chamado capelão, ou seja, um padre que é destinado para dar uma assistência religiosa a determinada equipe. São momentos que são propícios para que a gente possa estar inserido e até mesmo exercer um pouco essa atividade religiosa dentro das nossas possibilidades".
Comments