top of page

A música como resistência e ampliação de narrativas no sucesso "Pecadores"

  • Foto do escritor: Giovana Bravin da Rosa
    Giovana Bravin da Rosa
  • 7 de mai.
  • 5 min de leitura

Atualizado: 8 de mai.

Longa-metragem dirigido por Ryan Coogler combina horror e trilha sonora marcante para contar uma história afro-americana de dor e esperança nos anos 1930


Por Giovana Bravin, Sessão das 4 — Bauru, São Paulo


Pecadores, do diretor Ryan Coogler e estrelado por Michael B. Jordan, tem sido um dos maiores sucessos de bilheteria do cinema em 2025. Lançada em 18 de abril, a produção já arrecadou mais de U$240 milhões mundialmente, ocupando a quarta posição do ranking de melhores bilheterias do ano, de acordo com o portal especializado Box Office.


Assista ao trailer oficial de "Pecadores"

Com uma trilha sonora repleta de músicas originais, o filme também tem marcado presença com a canção “I Lied to You”, interpretada por Miles Caton, o pequeno Sammie, nas playlists de músicas mais virais do momento, em plataformas como Spotify e Apple Music. 


“Pecadores” é um filme de terror com vampiros. Mas vai muito além disso: o filme se passa no estado do Mississipi, nos Estados Unidos, durante a década de 1930, e retrata uma comunidade de pessoas negras que lutam pela liberdade e pela sobrevivência desde muito antes da chegada dos seres sobrenaturais. Tudo muda quando os irmãos gêmeos Fumaça e Fuligem (Smoke e Stack, no original) compram um velho galpão e decidem abrir um clube de Blues. Por uma noite, centenas de pessoas esquecem da própria realidade difícil e se sentem livres pela primeira vez na vida, cantando e dançando por horas. 


Amplie a sua experiência! Ouça a playlist oficial do filme enquanto lê esta matéria:



Para o produtor e professor de audiovisual Fernando Geloneze, a escolha da trilha sonora do filme foi assertiva e pensada com muito cuidado para compor o que está sendo contado. “Escolher a trilha sonora para um filme é criar uma identidade musical que faz parte da própria alma da narrativa. A ideia é que a música não seja apenas um complemento, mas algo que contribua ativamente para contar a história”, aponta.


Fernando explica que a música presente em produções audiovisuais se divide em dois tipos: a diegética, que é a música que realmente está presente na cena, como as canções apresentadas pelas bandas no clube de Blues, e a não-diegética, que é aquela música que toca durante a cena para criar um clima ou intensificar uma emoção.


Para o professor, Pecadores soube equilibrar os dois tipos, visando reforçar o contexto histórico e cultural dos personagens. “Em uma cena específica são mostrados diferentes estilos, como rock, rap e hip-hop. Estilos que pertencem a diferentes momentos históricos e que contrastam com o tempo presente onde se passa a história do filme. Essa ideia de escolher músicas negras que pertencem a diferentes períodos ajuda a dar uma dinâmica mais moderna e intensa, o que combina com a pegada híbrida do filme – que mistura terror, drama e crítica social”, destaca.


Cena de "Pecadores" em que Sammie canta o sucesso "I Lied to You"
Cena de "Pecadores" em que Sammie canta o sucesso "I Lied to You"

Segundo o professor, a música tem a capacidade de amplificar a experiência que as produções cinematográficas podem proporcionar ao público, já que pode ajudar os espectadores a se conectarem mais profundamente com as camadas históricas e culturais que os filme trazem. “Acredito que quando a música está em sintonia com a narrativa, ela transforma a experiência. O público sai do cinema não só com a história na cabeça, mas com aquela sensação de ter vivido aquilo também. E é esse impacto que torna um filme memorável. O cinema tem um poder incrível de amplificar mensagens culturais e sociais porque combina imagem, som e narrativa de uma forma única e muito impactante. Isso ajuda a manter vivos essas histórias e legados, fazendo com que o cinema tenha um papel fundamental na preservação e na amplificação dessas mensagens de resistência”, analisa.


Fernando destaca o significado do Blues, o estilo mais presente em Pecadores, para a comunidade afro-americana, retratada na obra. “O Blues, especificamente, tem uma carga histórica enorme. Ele nasceu no sul dos Estados Unidos, criado por pessoas negras escravizadas que usavam a música como uma forma de expressar sua dor, sua luta, suas relações pessoais e, ao mesmo tempo, a esperança de dias melhores. Quando um filme como 'Pecadores' escolhe o Blues como forma de resistência cultural, ele não está só preservando essa tradição musical, mas também apresentando para novas audiências o quanto esse gênero é poderoso e significativo. A música tem esse poder de representar culturas, emoções e contextos sociais de uma forma que muitas vezes só ela consegue”, pontua.


Fernando Geloneze
Fernando Geloneze

Fernando recomenda o box set "The Blues: A Musical Journey", de 2003, produzido pelo conhecido diretor Martin Scorsese. A obra retrata a história do Blues, desde o seu surgimento até os dias atuais. Os escritores e editores incluem Peter Guralnick , Robert Santelli, Holly George-Warren e Christopher John Farley.


O historiador e ativista na luta contra o racismo e na preservação da cultura afro-brasileira, Edcarlos Santos, destaca a importância de produções audiovisuais para a preservação de traços culturais de origem afro, como a música. “O cinema tem um papel crucial nesse processo. Ao retratar histórias de músicos negros, movimentos culturais e resistências coletivas, o audiovisual educa, emociona e amplia o alcance dessas narrativas. Filmes e documentários podem desconstruir estereótipos, revelar trajetórias invisibilizadas e inspirar novas gerações. Quando realizado com participação ativa das comunidades retratadas, o cinema também se torna uma ferramenta de empoderamento e autoria sobre suas próprias histórias”, afirma.


Para Edcarlos, preservar ritmos musicais de origem afro significa fortalecer as lutas sociais, mesmo nos dias atuais. “A música continua sendo ferramenta de denúncia, mobilização e empoderamento, seja nos protestos de rua, nos palcos ou nas redes sociais. O Hip Hop, o Funk, o Samba de Roda e tantas outras expressões seguem dando voz a realidades invisibilizadas, combatendo o racismo estrutural e inspirando autoestima e consciência coletiva. A música é, portanto, memória viva e força de transformação”.


O historiador faz um paralelo entre os ritmos afro-americanos e afro-brasileiros e a importância que desempenham em suas respectivas comunidades. “Os ritmos musicais afro-americanos, como o Blues e o Jazz, têm raízes profundas na experiência da população negra nos Estados Unidos, assim como  manifestações culturais afro-brasileiras, como o samba, o maracatu e o jongo, refletem a história de resistência e resiliência do povo negro no Brasil. Essas expressões nasceram da dor, da espiritualidade, da alegria e da luta cotidiana contra a opressão, sendo formas de afirmação de identidade e humanidade diante da desumanização histórica”, pontua.


Para Edcarlos, música é resistência. “A relação entre música e resistência é prática e histórica: a música serve como refúgio, denúncia e elo comunitário. Ela mobiliza afetos, fortalece identidades e sustenta a luta. Nas senzalas, nas favelas, nas igrejas e nas rodas de samba, a música sempre foi uma forma de dizer “estamos vivos” diante da tentativa constante de silenciamento”, finaliza.


Edcarlos é o atual presidente da Associação Quilombo de Bariri.

Edcarlos: "Para preservar essas tradições culturais e musicais, é essencial apoiar iniciativas de base comunitária, como o trabalho exemplar da Associação Cultural Quilombo de Bariri, que há 37 anos mantém viva a cultura afro-brasileira por meio de aulas de música, grupo de percussão e ações de educação cultural. Projetos como esse precisam de reconhecimento institucional, financiamento contínuo e integração com políticas públicas de cultura e educação. Além disso, o fortalecimento das redes entre coletivos e mestres da cultura tradicional, bem como o registro e valorização de suas histórias, é fundamental para garantir sua continuidade. Manter viva a tradição é também reinventá-la, sem perder suas raízes. E é nesse encontro entre ancestralidade, arte e ação que a resistência negra se renova".

Edcarlos Santos
Edcarlos Santos

Comments


bottom of page